Por Thaiane Machado*
15 de março virou mais um dia para o varejo? Parece que sim. Há, mais ou menos, uma semana as principais marcas começaram a divulgar promoções imbatíveis em comemoração ao Dia do Consumidor (algumas, inclusive, estenderam para a Semana do Consumidor, alegando ser pouco disponibilizar somente um dia). Essa data, que até pouco tempo não era nem lembrada, passou a marcar o calendário do varejo num período morno, pós carnaval, em que o comércio já se preparava para a Páscoa e os seus chocolates coercitivos.
Mas o ponto dessa discussão é: o que, de fato, as marcas devem comemorar nesse dia, indo muito além de uma mega oferta em suas vitrines? Para alguns, uma data para pensar em estratégias de mercado e garantir ao consumidor uma sensação de barganha ao decidir comprar um produto ou serviço. Para outros, uma oportunidade de refletir sobre esse momento, sobre o papel do consumidor para a construção da sua marca e sobre a necessidade de rever as estratégias de aproximação, engajamento e preferências.
Vamos tentar responder a essa pergunta, pois acreditamos que o xis da questão está, também, em quem pensa em comunicação e publicidade. E mais, o quanto temos de espaço de inovação aberto para a pesquisa de mercado.
Número 01: Não. Os consumidores não mudaram. Essa foi a primeira mentira que os publicitários contaram sobre todo esse movimento em que marcas e consumidores ocupam a mesma posição. E não foi só a tecnologia, internet, “o mundo mudou” os responsáveis por aproximar marcas e consumidores. Inegável a ajuda destes, mas não devem ter esse mérito sozinhos, afinal, consumidores críticos, “reclamões”, insatisfeitos e que curtem viver experiências, sempre existiram. O que não mudou, na verdade, é a incorporação de uma necessidade que a publicidade ainda resiste em assumir de forma efetiva: entender as dores, dificuldades, ganhos e perdas desse consumidor para oferecer o que ele precisa, não o que supostamente o que ele quer (ou os criativos acham que eles querem). Esse espaço cria, então, um campo fértil para a pesquisa de mercado. Pensar em metodologias para retirar entender esses aspectos do consumidor é um passo à frente para inovar, em um segmento que, para muitos, se resume a uma pesquisa quantitativa.
Número 02: Sim. A tecnologia e todas as suas ferramentas vieram para reverter as relações. Ok. Já nos convencemos que isso pode ser uma verdade. Porém, não podemos esquecer que as gerações mudaram ao longo do tempo, com isso, as aspirações, crenças, valores também entraram nesse pacote de mudanças. Mudanças políticas, sociais, econômicas e culturais nunca foram levadas em conta pelas marcas na hora de pensar em uma comunicação de verdade para esses seres que são as peças fundamentais dessa “engenhoca”. Se antes os publicitários eram os caras da criação, os deuses criativos, hoje estão sendo questionados sobre o seu real papel profissional e necessidade de quebra de antigas fórmulas que hoje já não cola (mais). Pois, então, não é que o “mundo mudou”? E de novo: “Alô, pesquisadores! Campo fértil para vocês aqui, também!”.
Número 03: As agências e empresas de comunicação ainda não sabem quem são os seus verdadeiros consumidores de seus clientes. O varejo ainda acredita somente na velha publicidade de vitrine, que ainda pede que os sentidos sejam mais aguçados que o desejo ou necessidade. Se funciona? Deve sim funcionar, vide aquela saidinha despretensiosa ao shopping virar um dia de compras. E, certamente, esse é um segmento do marketing que pouco vai mudar ao longo do tempo, ao menos que a arquitetura deixe de ver o comércio como espetáculo faraônico (roubando um pouco do pensar de Lipovetsky, em “A Estetização do Mundo”, ao falar sobre a importância dos shopping para o consumo). Ainda somos seres que decidimos por impulso. Entretanto, queremos acreditar em um dia em que as agências de publicidade e empresas de comunicação, de forma geral, irão fazer o seu dever de casa, tratando os consumidores como os seus reais consumidores dos seus clientes. Imagine uma comunicação ser toda desenhada, um plano estratégico desenvolvido com base em pesquisas reais de entendimento do consumidor, em 360º? Que grandes descobertas acontecerão nesse dia!
Número 04: Sim. Temos um longo caminho a seguir. E temos, com isso, muito “feijão com farinha” para nos suprir. A comunicação e publicidade que vemos hoje, realizada pela maioria das agências, ainda são aquelas ensinadas pelos currículos nada inovadores das universidades que formam esses profissionais. Ainda focam na formação de um publicitário criativo e esquecem que ele precisa ter outras habilidades, especialmente a analítica. Afinal, o “mundo (não) mudou”? Mas, será somos analistas o suficiente para entender o que está por trás dessa constatação? No final, poderíamos resumir todos esses pontos em um único: precisamos de metodologias mais inovadoras que entendam os consumidores, que possam suprir às agências, empresas de comunicação e marcas de informações válidas, e que elas sejam capazes de tomar decisões propositivas. Essa é o que acreditamos ser a principal mudança de relacionamento entre consumidores e marcas.
*Thaiane Machado é Doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporânea (UFBA), Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea (UFBA) e Especialista em Previsão de Tendências e Comportamento do Consumidor (IESB). Com experiência de mais de 10 anos em Planejamento de Comunicação e Estratégia, atua como Engagment Strategy Manager na eCGlobal Solutions.